Inovação e contrapartidas socioambientais

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Inovação e contrapartidas socioambientais

29-11

Marcel Fukayama é um dos líderes empresariais mais inspiradores do Brasil. Ele não é contra o lucro, mas acredita que as empresas devem ter como objetivo gerar impactos socioambientais positivos na comunidade na qual está inserida

Marcel Fukayama já nasceu no mundo dos negócios como um empreendedor benfeitor e não consegue mais ver lucros separados de impactos sociais positivos. Ele é entusiasta de um movimento global em ascenção, segundo estudos da Aspen Network of Development Entrepreneurs (Ande). No Brasil, só este ano, as empresas de impacto movimentaram mais de US$ 186 milhões. Marcel é um dos palestrantes do seminário Diferencial em Tempos de Crise, do Fórum Agenda Bahia, amanhã, no auditório da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb). O Agenda Bahia é realizado pelo CORREIO e pela rádio CBN, em parceria com Braskem, Coelba, Fieb e Prefeitura de Salvador.

A novidade do sistema B deve gerar confusões ou associações imprecisas com a ideia de filantropia. O que diferencia o modelo de negócio do setor privado do de setor social?
A principal diferença do que a gente propõe é acabar com aquele dilema de que é possível fazer a diferença e ganhar dinheiro. É possível você ter um negócio com propósito e ao mesmo tempo lucrativo. O que separava o segundo setor, que são as empresas, do setor social era a composição de um modelo de negócio puramente lucrativo e que buscava unicamente maximizar lucros. Enquanto isso o social não tinha um modelo de negócio sustentável e buscava maximizar o seu impacto. A gente defende convergir esses caminhos com empresas com mais propósito, mais transparência e mais responsabilidade.

Até por conta desse histórico que você cita há uma desconfiança das pessoas no sentido de ‘como assim ganhar dinheiro e fazer algo social?’. Você tem bons exemplos de quem conseguiu driblar essa desconfiança?
Hoje existem mais de duas mil empresas B certificadas em mais de cinco países e que são empresas com propósito. A gente pode falar desde pequenas e médias empresas – que hoje compõem cerca de 75% das B Corp no mundo – até empresas gigantes, como a Natura, a Ben & Jerry’s, que faz parte da Unilever, e a Kickstarter, que movimenta mais de 1 bilhão de dólares. São todas empresas que têm na sua essência resolver o problema socioambiental. Um exemplo bem prático aqui no Brasil é a recicladora Urbana (com sede em Jacareí, São Paulo). Ela tem foco no resíduo eletroeletrônico, que hoje é um dos maiores problemas do mundo, e reforça o conceito de economia circular, que ajuda a dar um destino e aumentar o ciclo de vida dos produtos.

Mesmo sem se tornar empresas benfeitoras, de que forma negócios, digamos, tradicionais, têm sido impactados por esse movimento?
Depois da certificação da Natura, que se tornou na época (2014) a maior empresa B do mundo e a primeira de capital aberto a se certificar, a gente percebeu uma onda muito positiva de grandes empresas. A própria Unilever tem utilizados praticas da Ben & Jerry’s, que fabrica sorvetes com toda uma prática de sustentabilidade, em direção a ser uma empresa com mais impacto positivo na sua cadeia de valor. A Danone, no Natal do ano passado, assinou um compromisso de em dez anos certificar a empresa global e as subsidiarias. O grupo Laureate, que é o maior grupo de educação do mundo, com mais de 4,4 bilhões de dólares de faturamento, se certificou recentemente como uma empresa B também. Chocolates Amma, que inclusive atua no sul da Bahia, seguiu o mesmo.

No geral, as empresas buscam sucesso nos negócios. O que pode ser considerado sucesso para uma empresa benfeitora e que pode ser usado para ajudar outras empresas, para além desses exemplos?
O principal objetivo global das empresas B é definir sucesso em negócios. E o que é sucesso? É construir uma sociedade mais inclusiva, que crie prosperidade compartilhada para todos. Isso significa ter visão de longo prazo e compartilhar valor, é uma lógica oposta ao que existe hoje, em que as empresas trabalham para o próximo trimestre, que é uma visão de curto prazo, e para o público alvo que é quase sempre o acionista.

Como o setor público pode contribuir para esses resultados? Não ter sua atividade reconhecida como filantrópica deve dificultar essa aproximação…
Com certeza, e por isso que nos Estados Unidos nós fizemos um esforço importante nos últimos anos. Lá, 33 estados reconheceram as B Corporation como um novo tipo legal de empresa e isso muda a história. Você pode proteger a missão do seu negócio, maximizar valor não apenas para o acionista ou para o investidor, mas para toda a sua cadeia. Além disso sua empresa pode ser mais transparente, divulgando anualmente um relatório de triplo impacto – não só econômico, mas também social e ambiental. A Itália passou recentemente a legislação de Sociedade de Benefícios, Porto Rico também passou, Chile, Colômbia e Argentina introduziram também no congresso legislações.

E aqui no Brasil?
Aqui a gente está trabalhando no Senado em um projeto que cria uma qualificação para sociedade de Benefício. Então, qualquer empresa, seja ela Limitada (Ltda), uma Sociedade Anônima (S.A), ou uma empresa de responsabilidade individual, pode adquirir essa qualificação e institucionalizar em seu documento de incorporação, seja no contrato social ou no estatuto, que ela é uma empresa que tem um propósito definido de gerar um benefício público. Isso vai institucionalizar o novo papel das empresas na sociedade, que é também dar lucros, mas principalmente ter impacto socioambiental positivo, além de serem poderosas fontes de distribuição de riqueza.

Você percebe no setor público alguma abertura para que esse projeto que você cita, ou outros, ter seguimento?
Ainda não temos abertura, estamos muito distantes disso. A lei de licitações, por exemplo, ela é muito ruim, ainda não prioriza empresas com impacto social e ambiental positivo, ao contrário, prioriza menor preço, seja qual for o impacto disso. A gente acredita que a partir do momento que se institucionalizar essa qualificação no Brasil, outros movimentos dentro do setor público podem acontecer. Como por exemplo uma evolução na lei de licitações que permita que o governo escolha seu fornecedor através de outras dimensões, considerando as externalidades positivas e negativas que toda empresa tem.

Qual o perfil do empreendedorismo social? Que tipo de negócio é mais frequente?
O perfil é bastante diverso. A gente tem hoje mais de 130 setores no mundo que compõem empresas B, tem uma infinidade de serviços, desde alimento, serviços, saúde, educação, consultoria, gestão… Agora o que a gente tem mais priorizado são empresas na área de bens de consumo, que acolhe empresas que têm relacionamentos mais próximos das pessoas e isso é importante para criarmos uma nova consciência sobre o consumo.

Em termos dos empreendedores e investidores, são a geração millenium?
É claro que as novas gerações cada vez mais querem que as suas carreiras tenham significado, gerem um bem social. Com relação aos investidores, é um perfil diverso do ponto de vista de idade, mas também muito orientada ao impacto. Hoje existe um segmento na área de investimento, que a gente chama de investimento de impacto, que em dez anos pode atingir 1 trilhão de dólares no mundo. Hoje existe mais de 10 milhões de dólares destinados a empresas B, que são fundos ou gestores de fundos que usam as nossas ferramentas de gestão de impacto para medir o impacto de seu portfólio de investimentos.

Você consegui fazer um movimento anormal no Comitê para a Democratização da Informática (CDI), expandindo do hemisfério sul para o hemisfério norte. Como foi esse caminho?
Eu deixei o CDI faz alguns meses, mas basicamente nos últimos sete anos me dediquei a essa que é uma organização pioneira no campo de empreendedorismo, empoderamento e inclusão digital, sendo nos últimos quatro anos na direção executiva global, em que grande parte da minha função foi trabalhar a expansão global do CDI, chegando a quinze países e se tornando uma rede internacional. Sim, o CDI se tornou um dos casos mais bem sucedidos de organização social que escalaram do sul para o norte. Hoje, a grande parte ainda é na América Latina, mas já chega nos EUA. Na Europa está em Portugal, Reino Unido, Leste Europeu e Espanha.

A saída do CDI tem a ver com a expansão do sistema B?
Sim, mais recentemente eu fiz um movimento de transição, fundando o Sistema B. Também fundei uma empresa que se chama Dínamo, que a gente investe e acelera startups que tenham impacto social, startups comprometidas em resolver problemas sociais em saúde, educação, habitação, inclusão financeira. Além disso, concilio o tempo com um mestrado no Reino Unido em administração pública.

Sua primeira empresa foi uma lan house, que hoje é um negócio que está desaparecendo, o que você via de potencial naquela época no setor?
Eu criei uma das primeiras lan house de São Paulo, há mais de 15 anos. Foi uma grande febre e um grande canal para acesso à internet no Brasil por pelo menos dez anos. Eu tinha a convicção de que esse seria um dos principais meios de inclusão digital, alguns anos depois, isso se comprovou. Em 2007, o Comitê Gestor da Internet mostrou que metade do acesso no país era em lan house. Naquela época fundei associações para influenciar políticas públicas e São Paulo foi a primeira capital a reconhecer lan house como negócio, de pois o estado de São Paulo, revogamos a legislação restritiva no Rio de Janeiro e aprovamos na Câmara de Deputados, em 2011, uma lei que reconhecia como centro de interesse público, mas parou no Senado. O setor praticamente desapareceu, hoje ele é muito pouco relevante, justamente por causa do crescimento da banda larga móvel e da popularização dos smartphones. Encaro isso como um movimento natural de evolução.

Você já chegou a ser considerado pela Forbes Brasil um dos 30 brasileiros que estaria “reinventando o país”. O seu histórico pessoal mostra isso, inclusive com o acompanhamento que fez de seu pai na reinvenção do negócio dele, de reparos de máquina de datilografar para a era digital. Hoje, estamos em um cenário de crise. O que você aprendeu sobre e como é que se pode transformar dificuldades em oportunidades?
Precisamos pensar, literalmente, fora da caixa. Precisamos não só inovar em um produto, em um serviço, ou em um processo, mas inovar em modelos de negócio. Isso exige do empreendedor algumas características como visão sistêmica, orientação a resultado, capacidade de mobilizar e articular recursos, construção de rede e principalmente resiliência, já que é muito fácil desistir diante das adversidades. Hoje há um oceano de oportunidades para quem quer criar novos negócios. Há dez anos não havia Airbnb, para alugar um quarto ou hotel era um custo de transação altíssimo. Então, é pensar em como criar mercados e necessidades existentes. Essa é a nova lógica de atuação em momentos de crise.

Como preparar os jovens para atuarem nesses novos mercados de tecnologias emergentes, nesses novos empregos?
O desenvolvimento do jovem está muito ligado a vivências. Não acredito que a gente vai formar novas lideranças – sejam elas empreendedoras, executivas ou força de trabalho – na sala de aula. Eu não acredito na pura educação formal que existe hoje, não só no Brasil, mas em todo mundo. É a perfeita crise de um ambiente do século 19, com professores do século 20 e jovens do século 21. Óbvio que não vai dar certo. Acredito que a gente precisa pensar em uma educação integral, com formação não só com habilidades técnicas, mas também formar o indivíduo nos seus aspectos sócio-emocionais. Pensar a empatia, a capacidade de resolver problemas. São competências que a educação de base não vai formar, as escolas de negócio não vão formar e que só a vida e as experiências vão ser capazes de conduzir.

Fonte: www.correio24horas.com.br