Educação financeira começa cedo

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Educação financeira começa cedo

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Imagine um guarda-roupa — quase sempre feminino — recheado com 40 pares de sapatos diferentes. Parece muito, mas quase sempre, quando encontra uma loja, a pessoa resolve comprar mais um par, com a justificativa de que não tem nenhum daquela cor, ou com aquele salto, ou daquele modelo. Algumas vezes, a justificativa ainda é o merecimento, uma forma de se recompensar pelo esforço do trabalho duro de todos os dias. Porém, o que diferencia essa situação de outras tantas relacionadas à compra de um produto é a intenção. “Isso é desejo e não necessidade. É preciso saber diferenciar essas duas coisas”, explica Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin). 

Pesquisas apontam que os pais gastam cerca de 30% mais com as filhas meninas que com os meninos – MARCOS SANTOS / USP IMAGENS

Responsável por ministrar cursos de educação financeira em escolas — com um público que já chegou a 200 mil alunos — Domingos conta que o exemplo do guarda-roupa feminino no início desta matéria não é mero acaso. Pesquisas realizadas com as crianças participantes do projeto e suas famílias, que apontaram detalhes de seu orçamento mensal, apontam que os pais gastam cerca de 30% mais com as filhas meninas que com os meninos. “Alguns relatos dão conta de que com as filhas se gasta o dobro”, comenta. A explicação, segundo Domingos, é relativamente simples e perceptível no nosso cotidiano: a vaidade feminina começa desde muito cedo. “As meninas têm coisas ligadas ao seu universo que os meninos não têm. Elas têm mais flores, mais cor, querem vestidos, sandálias, acessórios. São muitas as variantes.” Além da oferta maior de produtos voltados ao universo feminino e uma abordagem maior também, da publicidade, para esse público, a própria família, por vezes sem perceber, incentiva essa vaidade desde muito cedo. Não é raro encontrar mamães de bebês meninos relatando que têm que desembolsar muito menos para fazer o enxoval de seus filhos. Isso porque as meninas, mesmo antes de nascer, já estão recheadas de laços, variantes de modelos de roupas e detalhes tipicamente do universo feminino. À medida que essa menina vai crescendo, somam-se ainda itens de higiene e beleza que são, comumente, mais consumidos pelas mulheres — em razão de sua preocupação com a aparência. 

Essa diferença de comportamento de consumo entre os gêneros, ainda na infância, até poderia ser inofensiva se não fosse um fator: o perigo de transformar uma menina numa mulher adulta consumista, que vá sofrer com a falta de controle de sua vida financeira. “Um dos maiores vilões da saúde financeira dos brasileiros é o hábito da satisfação pelo consumo, que costuma ser iniciado na infância e juventude. Uma criança que é incentivada a ter sempre itens novos para se sentir bem, corre o sério risco de se tornar um adulto endividado, inadimplente e possivelmente infeliz, pois não aprendeu a priorizar a conquista dos seus verdadeiros sonhos”, alerta Domingos. “Aconselho que os pais demonstrem a suas filhas que o dinheiro está em tudo — naquilo que elas compram, doam, trocam, reutilizam e também jogam fora”, explica o consultor. 

O dinheiro compra sonhos 

Domingos ensina que o primeiro passo para ajudar as crianças a lidarem com o dinheiro é fazê-las entender a diferença entre o desejo e a necessidade. No exemplo citado no início dessa matéria, se a dona do guarda-roupas cheio de pares de sapatos estiver viajando numa cidade distante e, por acaso, um de seus sapatos quebrar o salto, ela vai comprar um novo — ainda que tenha na sua casa outros tantos. Mas como, nesse momento, ela não tem acesso aos sapatos de seu armário, trata-se de uma compra por necessidade. “O produto é o mesmo, mas a situação é bem diferente.” 
  
Ensinar a comprar aquilo que precisa e não o que simplesmente se quer é um bom passo para que as crianças cresçam mais concientes sobre o valor do dinheiro. E para conseguir deixar de lado o desejo, uma boa saída é apostar nos sonhos. “O dinheiro é capaz de comprar sonhos. Guardar dinheiro num cofrinho alimenta sonhos que podem ser realizados. Ainda que, com duas moedas, uma seja destinada ao sonho e outra ao desejo”, declara Domingos. Incentivando as crianças a se conhecerem, a reconhecerem seus desejos, o que mais gostam, o que querem alcançar dentro de algum tempo (um mês, um ano), fica mais fácil fazê-las entender que é preciso poupar para que isso aconteça. “Ela precisará passar por um processo de escolha, saber quanto custa, qual o valor daquilo que ela tanto deseja. E essa educação não é com números, isso é uma ciência humana, de comportamento e hábitos construídos ao longo do tempo.” 
  
O consultor explica que a partir dos 3 anos de idade as crianças já começam a entender essa relação entre ganhar dinheiro e comprar. Nesse processo, vale questionar — e explicar — como vai ser possível conseguir o dinheiro para a compra de determinado item que a criança deseje e a reflexão sobre esse ato. “Um boa perguntar é: será que comprar mais um brinquedo é tão importante quanto realizar o seu sonho? É uma situação diretamente ligada à tomada de decisões.” 
  
Falar parece fácil. O difícil mesmo é conseguir dar o exemplo. Um pai que presenteia o filho com um doce de R$ 4, todos os dias, terá gasto R$ 14 mil com isso ao longo de dez anos. “O problema não é o doce, é o que se está representando com isso.”

Fonte: www.jornalcruzeiro.com.br