Depois do estupro

Depois do estupro

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A vítima de  violência sexual tem de enfrentar uma série de obstáculos: prestar queixa na delegacia, onde, muitas vezes, ouve indiretas de policiais,  passar por exames invasivos no IML (Instituto Médico Legal) e ainda ir em busca de atendimento médico. Além das marcas físicas e psicológicas, o estupro traz riscos diretos para a saúde da mulher.

Muitas vítimas, por conta da vergonha e do medo, acabam demorando dias e até semanas para procurar atendimento médico adequado. O que não é recomendado, pois a maioria dos medicamentos precisa ser administrada horas depois do estupro. Aquelas que conseguem ultrapassar essa primeira barreira e chegam a um hospital de referência seguem um protocolo estipulado pelo Ministério da Saúde.

Dr. Jefferson Drezett, coordenador do Núcleo de Violência Sexual e Aborto Legal do Hospital Pérola Byington, em São Paulo – unidade da Secretaria de Saúde do Estado -, e um dos locais que mais recebem casos do gênero, explica que assim que a vítima dá entrada no ambulatório, a primeira medida é tomar um anticoncepcional de emergência, também conhecido como pílula do dia seguinte. A importância de buscar ajuda logo é mais uma vez reforçada, pois até 12 horas depois do estupro o medicamento previne a gravidez em 99% das vezes. “Em até cinco dias, conseguimos uma eficácia de 30%. Depois desse período, não há mais evidência científica que garanta que o medicamento vá funcionar”, explica.

A questão do tempo é muito importante, principalmente para prevenção do HIV. Para que os antirretrovirais realmente funcionem, a mulher precisa tomar a medicação o mais rápido possível, não ultrapassando a janela de 72 horas após o ocorrido. “A mulher precisa tomar a medicação por 28 dias. São três comprimidos após o café da manhã e três após o jantar. A medicação pode ser tomada em casa, não é preciso ir ao hospital.”

Os medicamentos, infelizmente, causam efeitos colaterais com frequência. Náuseas, vômitos e dor de estômago estão entre as principais queixas. Entretanto, ainda segundo o dr. Drezett, há uma boa aderência ao tratamento e cerca de 80% das vítimas o seguem até o fim.

Em seguida, a mulher deve tomar uma injeção (dose única) de ceftriaxona e azitromicina, antibióticos que servem para prevenir doenças sexualmente transmissíveis como sífilisgonorreia, cancro mole, clamídia e tricomoníase.

Se ela não for vacinada contra hepatite B ou não se recordar de ter tomado a vacina, é necessário receber a primeira dose e completar o esquema (três doses) posteriormente, considerando o intervalo de um e seis meses após receber a primeira dose.

É importante destacar que a vítima não precisa ficar internada para receber as medicações, tampouco é necessário fazer um boletim de ocorrência para ter acesso ao tratamento. Em tese, a mulher só fica no hospital se houver trauma ou mutilação ginecológica que requeiram algum tipo de intervenção cirúrgica. Entretanto, esses casos não são frequentes.

“Por isso a importância de fornecer um atendimento rápido e humanizado à vítima, para que ela se sinta segura e possa voltar o mais rápido possível para casa. Isto é, se a casa realmente for um ambiente seguro para ela. Senão, o serviço social é chamado para fornecer o acolhimento e o direcionamento necessários nesses casos. Nas semanas seguintes ela pode, se quiser, dar prosseguimento ao atendimento psicológico”, completa o obstetra.

É importante reforçar que a mulher, conforme previsto no inciso II do artigo 128 do Código Penal brasileiro, tem direito de realizar o aborto decorrente de estupro. É lei. “Um fato interessante é que as mulheres estão tendo muito mais informações e buscando seus direitos.”

Referência

O Centro de Referência da Saúde da Mulher do Hospital Pérola Byington recebe diariamente cerca de 15 vítimas de violência sexual, totalizando 4 mil casos anuais, entre mulheres, crianças e adolescentes. Por semana, são realizados de cinco a seis abortamentos legais, segundo o coordenador da unidade. As vítimas chegam de diversas cidades de São Paulo e, muitas vezes, de outros estados do país.

Desde 2013 há uma lei que garante atendimento imediato às mulheres vítimas de violência sexual, ou seja, todos os hospitais deveriam fornecer as medicações necessárias. No entanto, isso não ocorre. Por isso, os centros de referência ficam sobrecarregados e as mulheres precisam percorrer quilômetros para conseguir o atendimento adequado. “Metade dos casos que atendemos aqui vem de outros municípios. A lei existe e não é cumprida. Então, seria importante analisar se são os gestores de saúde que negam o atendimento ou os profissionais que são omissos. É lamentável, pois a vítima não consegue ser atendida nem por força de lei”, conclui Drezett.

Fonte: Dr Drauzio Varella