10 anos da Lei Maria da Penha
Todos os dias, 13 mulheres são assassinadas no Brasil. É a quinta mais alta taxa no mundo, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2014 foram 4.832 homicídios, segundo dados mais recentes do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. Dessas mortes, o governo federal não têm noção de quantos são casos de violência doméstica.
O Ministério da Justiça não reúne esses dados. A Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) contabiliza apenas as denúncias do Disque 180. Dos 485.105 atendimentos prestados pelo serviço em 2014, 52.957 corresponderam a relatos de violência, o equivalente a 10,9% do total.
Esse valor é apenas uma parcela de todos os crimes do País. No mesmo período, só no estado de São Paulo, foram registrados 130.866 casos de violência contra a mulher, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública. Alguns dos boletins de ocorrência são registrados após encaminhamento do Disque 180.
Nos dados compilados separadamente por cada Estado não há padronização. “Quando a gente fez a CPMI em 2013, perguntamos para cada Ministério Público, Poder Judiciário e delegacia de polícia nos Estados os números de violência contra as mulheres. Número de processos, de medidas protetivas, de condenações, absolvições. Tinha Estado que não tinha sistema informatizado. Em alguns Estados a polícia não colocava (o crime tipificado) como Lei Maria da Penha”, conta a advogada Carmen Hein, coordenadora do relatório da CPMI da Violência contra a Mulher.
Apesar de prevista na Lei 11.340, intitulada “Lei Maria da Penha”, a sistematização de informações está longe de ser realidade, o queinviabiliza um diagnóstico correto das políticas públicas.
“Por isso o Brasil tem muita dificuldade de avaliar suas políticas. Esses dados são comprometidos por conta da compartimentalização das instituições. A Lei Maria da Penha prevê uma forma integrada de trabalhar, mas isso não é o que acontece na realidade”, explica Carmem, que também foi consultora da ONU Mulheres e da SPM. “Isso exige um empenho político, recurso, boa vontade de todos órgãos envolvidos”, completa.
Se por um lado não se quantificam as denúncias, por outro tampouco se sabe das punições. De acordo com dados do Ministério da Justiça, em 2014, 2.439 homens estavam no sistema carcerário por violência doméstica, o que corresponde a 1% dos condenados ou dos que aguardo julgamento em centros de detenção.
Representante da ONU Mulheres no Brasil, Wânia Pasinato, destaca que não há sequer um consenso sobre o que pode ser classificado como ato de violência contra a mulher entre as áreas relacionadas. “Se for pra área da assistência social, não necessariamente a minha classificação da violência corresponde a uma classificação jurídica. O que eu chamar de violência psicológica ou moral não necessariamente é o que está previsto no Código Penal.
Dentro de casa
Sancionada em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha estipula como violência doméstica e familiar contra a mulher “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
Em março de 2015, por sua vez, foi sancionada a Lei 13.104/2015, a Lei do Feminicídio, classificando-o como crime hediondo e com agravantes quando acontece em situações específicas de vulnerabilidade, como a vítima estar grávida ou ser menor de idade. É feminicídio quando há violência doméstica ou discriminação à condição de mulher.
No Estado de São Paulo, o mais populoso do País, com 44 milhões de habitantes, foram registradas 65.261 ocorrências de janeiro a junho de 2016 de violência doméstica, sendo 44 homicídios. São oito delegacias especializadas na capital e 32 no Estado, de acordo com a Secretaria de Segurança paulista.
Vias de fato
Nos casos de homicídios de mulheres o critério objetivo para que sejam caracterizados como violência doméstica é que o agressor tenha relação direta com a vítima, como ser seu parceiro ou ex-parceiro.
Dos 4.832 assassinatos femininos em 2014 registrados pelo Ministério da Saúde, 1.319 aconteceram dentro de casa, o equivalente a 27,3%. Dos homicídios masculinos, por sua vez, 9,9% foram em domicílio. As agressões mais comuns são por arma de fogo (49,5%), objeto cortante (25,3%) ou contundente (7,7%), seguidas por enforcamento, estrangulamento ou sufocação (6,25%), de acordo com dados da pasta.
Esse cenário nos leva à taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres. Só El Salvador, Colômbia, Guatemala e a Federação Russa registram números piores no ranking de 83 países da OMS. Há, no Brasil, 48 vezes mais homicídios femininos do que no Reino Unido.
Levantamento publicado no Mapa da Violência 2015 – Homicídios de Mulheres no Brasil, com base em dados do SIM, revela um aumento de 7,6% ao ano de assassinatos femininos entre 1980 a 2013. No recorte a partir da aplicação da Lei Maria da Penha, em 2006, até 2013, a elevação passou para 2,6% ao ano.
Há uma diferença substancial, contudo, quando comparamos mulheres brancas e negras. O número de homicídios do primeiro grupo cai de 1.747 vítimas, em 2003, para 1.576, em 2013, um recuo de 9,8%. Já no mesmo período, houve um aumento de 54,2% no assassinato de negras, passando de 1.864 para 2.875 vítimas.
Em menor escala, um padrão similar acontece a partir da vigência da Lei Maria da Penha. O número de vítimas cai 2,1% entre as mulheres brancas e aumenta 35,0% entre as negras. Não há consenso ainda sobre as explicações para tais fenômenos.
Quando comparamos Estados entre 2006 e 2013, alguns tiveram pesado crescimento de violência. Em Roraima as taxas mais que quadruplicaram (343,9%) e na Paraíba, onde mais que triplicaram (229,2%).
Já Rondônia, Espírito Santo, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro apresentaram quedas, sendo uma redução acima de 30% em São Paulo e no Rio.
Apesar do crescimento da violência, especialistas reconhecem avanços principalmente ao se quebrar uma primeira barreira ao deixar de tratar o assunto como “briga de marido e mulher”. “É um problema público. Deixou de ser um problema privado”, afirma Wânia Pasinato. “A lei deu visibilidade ao problema da violência quanto à mulher. A sociedade hoje é menos tolerante com essa violência. As mulheres procuram mais os seus direitos. Denunciam mais e buscam mais ajuda, institucional ou não institucional, nas suas redes pessoais”, completa.
No hospital
Uma análise de dados coletados tanto no SIM quanto no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), também do Ministério da Saúde, possibilita uma estimativa do número de feminicídios no País, a partir dos registros de idade e vínculo do agressor com a vítima.
Segundo o Mapa, dos 4.762 homicídios de mulheres registrados em 2013, 50,3% (2.394) foram feito por um familiar. Desse montante,1.583 dessas mulheres foram mortas pelo parceiro ou ex-parceiro, o que representa 33,2%. São quatro mortes por dia.
Nos registros do Sistema Único de Saúde (SUS), 405 mulheres são atendidas por dia, sendo 48,7% dos casos de violência física. Na faixa etária de 18 a 59 anos, o agressor mais frequente (34,9% dos registros) é o parceiro ou ex-parceiro.
Outro dado que indica violência doméstica é o local da agressão. Para as mulheres, 71,9% das ocorrências foram em casa. O percentual cai para 50,4% para os homens. Já a reincidência de vítimas femininas é de 49,2%, enquanto a masculina fica em 30,5%.
Assim como nos dados de Saúde, nos registros do Disque 180 também houve um crescimento nas ocorrências. Os atendimentos passaram de 485.105 em 2014 – sendo 10,9% relatos de violência – para 749.024 em 2015, sendo 10,23% atos violentos.
Em 2015, corresponderam à violência física 50,16%, seguido por psicológica (30,33%), moral (7,25%); cárcere privado (5,17%), sexual (4,54%), patrimonial (2,10%) e tráfico de pessoas (0,46%).
Fonte: www.brasilpost.com.br