Mãe, sempre ela…
Durante toda a vida formamos com os nossos pais um triângulo, psicologicamente muito forte, que resiste a praticamente todas as intempéries. Podem acontecer separações, divórcios, até mortes, mas a presença da família parental psicológica é quase perene. São raros os casos em que não temos, dentro de nós, ambos os progenitores – inclusivamente nos casos em que há maus tratos ou rejeição das crianças, estas mantêm uma ligação psicológica muito forte, além do que é verbalizado, com os pais.
E se com três letrinhas apenas se escreve a palavra pai, também a palavra avó, tio ou outras se escrevem assim, como não, sim, ou… mãe.
As mães são mães. Sempre. E é quem nos ocorre quando algo não está bem, quando nos apercebemos do perigo. É, dizem, a última palavra que alguém pronuncia antes de morrer.
As mães geraram-nos e cuidaram de nós, deram-nos mimo e afeto – e é para dentro da barriga delas que queremos regressar, sempre que nos sentimos tristes, desconfortáveis ou em risco, doentes ou com medo. Se estiver frio, deitamo-nos enroscados. Se alguém nos ameaçar, encolhemo-nos. Em situações de graves carências alimentares ou afetivas, voltamos à forma de girino. A posição fetal poderá não passar de uma ilusão de segurança, mas tão forte que funciona na nossa mente, pelo menos o suficiente para nos esquecermos do resto, do que nos ameaça.
As mães são calor, são fortes e são segurança. Estudos recentes revelam que os mamíferos precisam de ver a mãe, nos primeiros anos de vida, como farol de securização. Mal nascem deveriam ser postos a mamar, abraçados pela mãe mas tantas maternidades recusam à tríade esta opção, sem qualquer razão científica que o justifique. Nunca é demais relembrar: os ‘assaltos à mão armada’ que todos os dias se dão nas salas de parto, contrariando expectativas de mães, pais e bebés, que nem têm oportunidade de, nesse momento transcendente, tocar-se, cheirar-se, ver-se. O senhor ministro da Saúde está a milhas deste facto, certamente, e deve achar que isto são maluqueiras de um pediatra, mas é pena que tudo continue na mesma que as leis e o Estado, nisso e em tanta outra coisa, não compreendam o que a Ciência mostra, ao analisar os comportamentos humanos, designadamente os nossos próprios e das nossas crias.
O DESEMPENHO DAS MULHERES
Na sociedade portuguesa, até há bem pouco tempo, era esperado de uns e outros, homens e mulheres, o desempenho de papéis marcadamente diferentes. Simplificando, às mulheres competia genericamente cuidar dos filhos e da casa e aos homens sair para trabalhar e ganhar dinheiro. Era esperado, das mulheres, que fossem gentis e submissas, enquanto a dureza e a ambição ficava para os homens. Apesar de não ter sido há muitos anos que se deu a viragem, esses tempos já parecem felizmente longínquos e espera-se que nunca mais regressem. Mas também não podemos considerar a tarefa acabada.
A bem dizer, não é verdade que antes das sociedades urbanas e do pós-Guerra as mulheres só estivessem a olhar para os bebés. Nada de mais falso. Além de trabalharem (em meio rural, desde amanhar fazendas, apanhar frutos ou dar de comer à criação e ao gado), faziam a lida da casa, tinham vida social (a ‘intriga’, com o seu papel fundamental, era garantida pelas mulheres), iam à venda todos os dias (não havia frigoríficos nem métodos de armazenagem que não o sal) e dedicavam-se a artes e ofícios (bordar, pintar, etc).
A diferença é a escala e o modo com que se faz o mesmo, mas também não se imprimem livros como na era de Gutemberg, com a mais-valia de as mulheres se preocuparem com a segurança das crianças, com a sua saúde e com a prevenção. E com o acréscimo de lhes darem mimo, afeto, brincadeira e educação.
Se as mulheres não se devem fazer de vítimas (dos homens, geralmente) como algumas feministas difundem, também não devem assumir culpas que não são suas, nem deixar que os arquétipos mais devastadores da moral judaico-cristã – a auto-flagelação psicológica – tome conta delas. São vencedoras. Felizmente. Mas com os homens, na mesma caminhada, e não contra os homens.
DEPOIS DO PRIMEIRO ANO
Após os nove meses de idade, há uma nítida sensação de que os filhos fogem por entre os dedos das mães.
O surto de desenvolvimento que começa nessa idade, e que se prolonga pelo menos até ao ano e meio, faz-se no sentido da autonomia, embora com o correspondente contrapeso da regressão. No primeiro componente é o pai o principal motor, no segundo a mãe.
O instinto maternal, que não desapareceu só porque os estilos de vida mudaram, quanto muito amansou-se, leva a que as mulheres sejam ‘programadas’ para terem muitos filhos, mesmo que não os tenham ou decidam não os ter. Mas há que diferenciar o que é genético e antropológico, do que é social. O que é emocional do que é racional.
Ao longo de centenas de milhar de anos, quando a criança começava a crescer, no sentido dessa explosão autonómica, devidamente puxado pelo pai, a mãe já estaria à espera de outro bebé ou pelo menos a programá-lo para breve, e assim seria até ter uma dezena de filhos e ver totalmente preenchido o seu sentimento de maternidade, passando então ao desejo de ser avó.
Isto não acontece hoje, pelas múltiplas razões conhecidas, o que leva a que as avós muitas vezes vejam nos netos os filhos que já não tiveram, e as mães sintam que este crescimento dos filhos e a sua “fuga” dói. E dói muito. E às vezes a vontade de os manter pequeninos é grande – como provam todas as crianças com mais de um ano que mamam durante a noite ou quando fazem uma birra. Estes lutos são difíceis, como qualquer luto. Sofre-se. Dói. Mas não se lhes pode fugir, se se quer atingir a tranquilidade.
“Eu acho que já saí da vida dela!” – a frase foi proferida como se estivesse no teatro. Só que não estávamos, mas sim no consultório.
“Da vida de quem?” – parecia-me um diálogo de telenovela.
“Da minha filha, da Gina.”
“Porque é que sente isso?”
“Porque no fundo perguntei a mim própria: se eu desaparecesse, ela tinha tudo o que precisava… já deixou de ser bebé…”
Aquela mãe estava órfã. Órfã de filha, se assim se pode dizer.
Mas não tinha razão para ser tão dura com ela própria. Em primeiro lugar, porque era normal sentir a ausência de um bebé que pudesse considerar como completamente dependente, quase como se estivesse dentro da sua barriga. Depois, porque esse processo não tinha a ver com o crescimento e com a necessidade que a Gina tinha de ter sempre mãe, não apenas como lugar de refúgio, mas também como fator de crescimento, segurança e indutora da autonomia.
“O seu bebé há-de ser sempre o seu bebé, mesmo quando tiver quarenta anos de idade.” Há que ultrapassar esse momento através, exatamente, de constatar o bom trabalho que já tinha feito e o que a Gina ainda precisava dela. “Se está a carpir as suas mágoas é que depois não tem disponibilidade para ela. E ela precisa muito de si… todos os filhos precisam das mães.”
Passado um tempo já tinha conseguido reposicionar-se, gracejando: “quando tenho muitas saudades dela em bebé vou ver as fotografias que tenho no computador.”
MÃES E MAMÃS…
Se uma criança passa mais tempo com outra mulher, será que há razões para as mães temerem ser colocadas em segundo lugar e os afeos se dirigirem às pessoas que passam com elas praticamente todo o tempo em que estão acordadas (pelo menos nos dias úteis)?
Algumas crianças, no início do segundo ano de vida, podem chamar “mamã” às educadoras, amas ou até às avós. Mas uma coisa é a mãe, outra a mamã. Se a primeira é a verdadeira, a única, já a segunda tem outros significados para a criança, como mulher, prestadora de cuidados essenciais, amiga e companheira de brincadeiras. Mas as mães que não se preocupem porque mãe há só uma, como diz o ditado, embora mamãs possam passar pela vida da criança sem que isso as faça esquecer a sua real progenitora.
“Corre!” – gritou o pai da Inês, de dois anos e meio, mal chegaram ao grande relvado do parque onde tinham ido passear.
“Cuidado!” – gritou simultânea e instintivamente a mãe.
Incongruência? Dissensão familiar? Não, pelo contrário, A complementaridade que exige que exista, para a criança, um pai e uma mãe.
O que ficará na sua cabeça é a expressão “Corre… com cuidado”, ou seja, exercita as tuas capacidades, gere o teu risco mas de forma controlada e cautelosa.
Pais e mães são necessários.
Abaixo os juízes, os pais e as mães que recusam, em caso de separação, e sem razão justificável, esta conjunção astral. São maus profissionais, são maus pais, são más mães. E não vou estar com papas na língua ou com rodeios num assunto que é do superior interesse da criança.
HOMENAGEM ÀS MÃES
Na consulta dos dois meses, costumo dizer aos parceiros das mães que amamentam, que, quando o bebé tiver dois meses e dois dias, terão que dar um presente à mãe, pela ‘quinhentésima’ mamada. A sete por dia, é o que dá. E, em geral, os pais assumem o ónus, riem-se e dizem: “prometido!”
As mães são realmente formidáveis. Geram, amamentam, cuidam, sossegam, cantam com as palavras, securizam. E trabalham, vão às compras e sabem o que é o melhor para a família.
Na sociedade romana, a mãe era a encarregada de manter a chama da lareira da casa acesa, com a lenha que o pai trazia diariamente. O deus Lar era o protetor das casas, e é daí que vem a palavra lareira, e também a designação das habitações como “fogos”. A lareira ficava no centro da habitação, e aquecia os adultos e crianças residentes, permitindo também cozinhar e reunir as pessoas à sua volta.
O papel da mãe no lar, lugar eminentemente regressivo e apaziguador, securizante e calmante, não deve ser subestimado, nem denegrido porque algumas mulheres consideram que o lar é sinónimo de “tachos e panelas”, opressão machista e outras coisas mais. Para a criança, a mãe significa psicologicamente a regressão (mesmo que esse puzzle seja composto pela própria mãe e por muitas mais peças) e o pai a ousadia.
Por outro lado, as mães têm também uma simbologia de organização, calma e pensamento a prazo, ao contrário dos pais, mais ousados, exteriorizantes mas imediatistas e tantas vezes imaturos e inconsequentes (notem, sem que isto seja necessariamente mau, se complementado pela influência das mães). O triângulo funciona se os vértices forem equilibrados e a influência dos pólos Mãe e Pai eficiente e adequada.
Mas hoje, que falamos de mães, prestemos homenagens a elas. Recordo a minha, com saudade. Mesmo cá já não estando, está. Como aquela que dá um beijo, aconchega os cobertores e diz: “dorme bem, meu querido!” Não está, mas está. Sempre!
Fonte: www.paisefilhos.pt